Contratualização

A contratualização é apontada como uma das estratégias principais da Nova Gestão Pública (New Public Management), dentre as que mais promoveram mudanças significativas na qualidade dos serviços públicos.

A idéia de administração por contratos ou contratualização é utilizada para referir as características de gestão do setor público resultantes do desenvolvimento de novos relacionamentos no seu interior. Esta se baseia na idéia nuclear de quebrar a hierarquia como modelo de coordenação e controle típicos do setor público e estabelecer um relacionamento mais livre através da delegação do centro para uma subsidiária ou uma organização autônoma do setor público ou do setor privado através de um contrato. O elemento essencial no modelo de coordenação por contratos consiste na divisão da responsabilidade pelo fornecimento e no fornecimento em si mesmo. Numa relação contratual o governo retém a responsabilidade de financiar o serviço ou o produto, mas delega a autoridade da produção/fornecimento a outro ente.

Este modelo baseia-se na teoria do principal-agente na qual o governo como principal deve formular um contrato que induza o contratado, como agente, a ter um comportamento de acordo com os desejos do governo.

O governo decide o que quer, formula um contrato em que define os objetivos, e procura alguém que se comprometa a realizar esses objetivos ao mais baixo custo. Este é um mecanismo pelo qual os governos procuram beneficiar da eficiência inerente ao mercado. E é esta divisão que origina uma quebra nos princípios organizacionais da hierarquia ou da integração vertical, típico do setor público, para uma estrutura de fornecimento de serviços baseada em relações contratuais. A separação entre comprador e fornecedor de serviços e a utilização de contratos ou quase-contratos para coordenar as atividades de fornecimento de bens e serviços introduz uma nova forma de coordenação.

Baseado na idéia de concessão de maior flexibilidade executiva e gerencial para as organizações, a contratualização surge como um processo essencial para o alcance de eficiência, eficácia e efetividade no setor público. Para isto, a forma prioritária de evitar a autonomia sem responsabilização seria a fixação de metas de desempenho através de instrumentos contratuais. Nesse contexto, tem-se colocado como alternativa capaz de mitigar a obrigação de sujeição das instituições aos requisitos organizacionais de uma estrutura administrativa hierárquica clássica.

Naturalmente que os contratos são fáceis de elaborar quando é fácil especificar qual é a atividade ou tarefa a contratar, como vai ser avaliada e o que é considerado bom desempenho. O principal argumento a favor da contratualização, no entanto, pode tender ao resumo de questões de caráter econômico e de saber escolher entre produzir os bens e serviços internamente ou comprá-los no mercado. Mas há considerações nesta decisão que não são meramente econômicas.

Assumir que qualquer atividade ou tarefa executada por entidades públicas pode ou deve ser objeto de formas contratuais é uma abordagem mercantil e redutora das atividades dos governos. A natureza de muitos serviços públicos, os seus objetivos e a forma como são fornecidos apresentam características que tornam difícil, senão impossível, a sua delimitação e a redação sob a forma de um contrato. Por vezes é difícil definir exatamente a tarefa ou serviço a fornecer ou é difícil controlar os resultados em termos quantitativos e qualitativos.

A orientação finalística da contratualização reitera que um sistema de gestão dos recursos públicos deve estar voltado a suprir as ações governamentais com insumos necessários à geração das finalidades negociadas previamente; ao invés das ações e fins terem de se conformar ao modo pelo qual os meios são geridos. Para isto, a contratualização pressupõe que o estabelecimento de resultados desejados é necessário e seu alcance pode ser, em alguma extensão, programado, induzido e controlado.

Os resultados a serem alcançados devem ser negociados entre os formuladores das políticas públicas e a instituição encarregada de implementá-la. Neste sentido, a identificação precisa dos objetivos e metas a serem alcançados, assim como dos responsáveis pelo seu alcance em todos os níveis da organização, justificaria a celebração de contratos de gestão. O controle de resultados seria muito mais propício à construção de mecanismos de responsabilização do que controle de processos. Assim a contratualização, através de seus instrumentos e congêneres, visa, em essência, estabelecer uma amarração entre metas finalisticas, meios, controles e incentivos.

A sobrevivência das organizações na atualidade é cada vez mais dependente da sua capacidade e autonomia gerencial (normativa e operacional, para definir suas regras e operar seus sistemas de gestão) para construir um modelo de gestão (conjunto das regras operacionais, incluindo-se estrutura organizacional e mecanismos de incentivos ao alcance dos resultados propostos) apto a responder a um cenário de complexidade e instabilidade cada vez maiores.

Os modelos de gestão mecanicistas não são responsivos no contexto contemporâneo dado a sua natureza complexa, exceto em condições muito especiais cada vez mais raras. Um grande desafio das organizações contemporâneas é transpor a barreira entre modelos de gestão mais mecanicistas e outros mais estratégicos. O grande atrativo do modelo orgânico-estratégico é sua configuração flexível, necessária em um mundo em contínua mudança e que está presente nas novas matrizes e tendências que hoje norteiam as inovações nas organizações.

As organizações estatais também estão sujeitas a esta mesma dinâmica, na medida em que, a oferta e demanda de bens públicos se torna mais competitiva e diferenciada. O novo contexto atual é caracterizado por uma multiplicidade de atores e modelos de gestão envolvidos na produção de bens públicos.

A contratualização na Administração pública é um processo de ajuste de condições especificas no relacionamento entre órgãos e entidades públicas e privadas, que envolve a pactuação de metas de desempenho para o exercício da atividade pública, orientadas ao alcance dos objetivos das políticas públicas. Na maioria dos casos, a contratualização vem proporcionar flexibilidade e autonomia de gestão que simplificam processos internos das instituições partícipes.

Podem existir situações diferenciadas de contratualização formalizadas por meio de acordos ou ajustes de desempenho, termos de compromisso, contratos de gestão e outros, com o propósito de ampliar a capacidade do governo de implantar políticas públicas setoriais orientadas para o atendimento às demandas e prioridades da sociedade observadas a eficácia, eficiência e a efetividade da ação pública.

Desta forma, a tarefa de modernizar a gestão pública visando maior desempenho das suas organizações requer mais do que prêmios de boas práticas de gestão (auto-estímulo); requer uma política pública para a gestão que aponte caminhos institucionais, e assuma o desafio de identificar obstáculos à melhoria do desempenho institucional e construir alternativas de superá-los. A contratualização parece ser um destes caminhos, um dos pilares de uma política pública orientada para a melhoria de desempenho das organizações públicas, ao equacionar de forma adequada, os requisitos de autonomia (de gestão) e controle (de resultados).

A idéia é tornar o gestor público mais autônomo e mais responsabilizado; é dar a ele maior liberdade para tomar decisões visando atingir os objetivos estabelecidos, e depois cobrar dele os resultados. Nesta direção, além do contrato de gestão, têm sido largamente utilizadas ferramentas voltadas à mensuração e comparação de resultados, à competição administrada por excelência, ao planejamento e a gestão estratégica de organizações públicas, à transparência e accountability.

A dificuldade de se pensar o caráter da reforma no setor saúde está atrelada a cultura ou crença no caráter estratégico dos atores intervenientes do sistema. Estes sempre devem ser levados em conta em todo o processo de desenvolvimento de estratégias para o setor. A existência de uma sub-cultura de caráter normativo, burocrático e autoritário é desafiadora, pois tende a conceber um sistema de saúde calcado numa gestão de comando e controle, com organização rígida, conservadora, estática e defensiva a novos desafios, frustrando sistematicamente todas as expectativas de mudança na estrutura do sistema. Pior ainda seria a sub-cultura beneficiária da ausência de responsabilização, que opera segundo critérios táticos de oportunidade e adota a linguagem da burocracia capturada de interesses particulares configurando uma assombrosa trama de resistência ao desenvolvimento e discussão de novos arranjos organizacionais.

No setor saúde, a contratualização pretende que os serviços sejam prestados para garantir o benefício público no uso dos recursos. De acordo com os critérios estabelecidos, priorizando áreas mais desfavorecidas e grupos com maior vulnerabilidade, a contratualização pode repor algum grau de equidade.

Assim novos formatos institucionais, novos instrumentos de gestão e novas formas de controle, criam condições para que a modernização administrativa proposta na AP 4 possa contribuir para um processo de aprendizado político e organizacional tornando as organizações públicas locais de saúde mais responsáveis e mais focadas no alcance de resultados.